(imagem: lixo extraordinário)
Longe e a sós. Eram hippies.
Forraram sobre a grama uma toalha vermelha listrada, não tinham cesta, mas tinham tudo. Comeram, dançaram e tocaram violão, ela buscava flores para botar nos cabelos, enquanto ele lia e divagava.
Segunda-feira e a toca na cabeça faziam a moça não mais ser hippie, durante dez horas de segunda a sexta ela era assistente de cozinha em um restaurante chinês, cortava, lavava, mexia, secava. O rapaz, porteiro de um prédio no centro. Calças de sarja verde musgo, camisa manga longa branca e casaco de lã, atrás da recepção e com o seu óculos anos cinquenta, ele era comum, não tanto pelo brilho nos olhos e pela sublimação da face. Ao fim do dia, somente as sextas eles iam juntos para casa, passeavam antes pela avenida Souht, de bermuda e chinelo, de vestido e rasterinha, eram simples e eram belos. A casa, um apartamento com sala, quarto, banheiro e cozinha, tinha também uma varanda com pés de chá e aquelas plantas que pendem de seus vasos fixados ao têto. Ali ele lia, ela dormia. Ele tocava, ela cantava. Ela cozinhava, ele comia, ela beijava, ele mordia.
- Certa vez enquanto a moça cuidava das plantas na varanda o rapaz a observou, sentia um admiração celestial por ela, tão meiga, tão dedica para com a vida e com ele. A apaixonou-se a premira vista pela forma como ela se auto conduzia no mundo, admirava o desapego dela por coisas banais como, como carreira corporativa, dinheiro e luxo, adorava sua aspiração para as coisas simples, como costurar as próprias roupas ou compra-las em brechós, dedicar-se realmente ao que se gosta independente se é rentável ou não, o que segundo ele, quando se faz o que gosta, faz-se, se faz a coisa mais rentável do mundo.
Do sofá, ele se perdeu nos movimentos dela, os cabelos amarelados que desciam pelo ombro exposto, todo pontilhado de sardas. Ela percebeu que estava sendo observada, na melhor colocação, admirada. O rapaz se lebvantou e foi até a moça, ajoelhou-se logo ao lado e a beijou na testa. - te amo. - Disse ele com a face marcada por um sorriso singelo.
Tinham milhares de planos para o futuro, no próximo ano por exemplo ele iria para a universidade estudar filosofia e política. Ela faria a tão desejada inscrição na escola de artes plásticas. Pensavam também em se mudar pra o interior, perto da federal na qual ele prestara vestibular. Estavam a meses planejando tudo, guardando dinheiro e prestes a fazer as malas, foi então que ela caiu, desmaiou nos braços dele. A princípio o rapaz supôs ser uma brincadeira boba dela, mas não fora, explodiu ali uma sucessão de desespero, foram ao hospital mais próximo, voltaram para casa horas depois, mas, dali em diante nada fora como tinham sido, exames, consultas, e uma sucessão de outras coisas, de repente o brilho nos olhos tornou-se desespero, incerteza. Fora tudo muito rápido, seis meses e ela já não tinha mais cabelos, seu corpo esbelto e forte, cheio de vida tornara-se uma estrutura seca e apagada. Ela decidiu morrer no campo, implorou para que o rapaz a tirasse do quarto frio e sem vida do hospital, ele atendeu o pedido, a levou para o interior, a cidade para qual planejavam se mudar.
Certa tarde sentados no sofá de uma casa alugada ela o viu chorando e o abraçou, sorriu para ele, ele tentou sorrir também mas não conseguia, por isso tornou a chorar.
- Ei, sou eu quem está morrendo e não você!
- Somos nós dois então. - respondeu ele.
- Sabemos que é inevitável, acredite, foi bom. Você fez o que pode, e sou grata por ter atendido meu pedido e ter me trazido até aqui, está é nossa vida, foi assim que planejamos e é assim que a estamos vivendo, vou partir com todas as promessas cumpridas, com todos os sonhos realizados, mesmo que a curto prazo. Apenas adiantamos nossas vidas, estamos fazendo em seis meses o que havíamos planejado fazer em sessenta anos.
Partirei em paz por ter sido honesta e justa comigo e com você. Mas quando eu tiver ido de verdade, não quero vê-lo chorar, não quero ser evocada do além para consolar a tua dor. Eu não quero que exista dor. Quando eu tiver partido, quero me contentar em ti observar seja lá de onde for que eu estiver e ver que você permanece bem, realizando a cada dia tudo que havíamos planejado e prometido um para o outro.
A garota faleceu quatro anos depois em uma tarde de sábado enquanto cuidava das flores no jardim de casa, mas não sem antes de ter tido uma vida plena, não sem antes de criar seus quadros e suas instalações, não foram nunca grandes obras expostas em salões pelo mundo, mas foram singulares para ela e para ele, cuja maior obra era suas vidas, a vida deles. Quando suspirou pela ultima vez o rapaz segurava suas mãos e sorria sem tirar os olhos dos dela, eram circunferências azul berrante e que nem de longe demonstravam tristeza, apenas satisfação.