quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Tradição


 O tempo, como bem sabemos, passa. (é, ele passa sim) e passa muito rápido. E tradição é coisa que vamos adquirindo, primeiro as que nos ensinam e, depois ocasionalmente vamos criando as nossas próprias. A  exemplo disso, este post que vos escrevo.
Ainda sobre tradição, temos aquelas que quebramos (graças á Deus) e tem aquelas que é sempre bom manter. Tradição é algo bonito, nem sempre, realmente. Alguns acham cafona, eu acho bacana.
Tradicionalmente falando eu costumo escrever o ultimo texto do ano como forma de agradecimento por tudo que foi dito e sentido por aqui. Este ano que tá indo embora foi a princípio tranquilo, até junho, eu diria, dai em diante as coisas esquentaram, para o bem e para o mal. Mas principalmente para o bem.
Eu também quero relatar que neste ano que tá acabando, eu aprendi que zona de conforto não é lugar para nenhuma pessoa que se diga de boa índole, ou que se julgue sensata e boa gente. Zona de conforto é um canto quieto, tosco, pobre, feio, pequeno e totalmente medíocre.
Zona de conforto é aquele lugar onde o navio repousa, onde não há vento, nem tempestade, é um lugar tranquilo, calmo, seguro. Na zona de conforto é possível avistar a estrela do norte, a guia mestra de todo navegador. Porem, mesmo que se possa avistá-la, os marinheiros que chegam na zona de conforto acreditam ser sábio ignorar a estrela do norte, ali, na zona de conforto é mais prudente aquietar-se, lançar âncora e permanecer.
Posso dizer, e quero me lembrar, de neste próximo ano, não ficar mais nem por um segundo na maldita zona de conforto. Já disseram antes, não sei quem foi, mas disseram: "mar calmo não faz bom marinheiro."
E sinceramente, a vida tem que ser vivida a flor da pele, tem de ser gozada, sorrida, comemorada.
Eu fiz muito disso neste ano, talvez pudesse ter feito mais, sim. Mas em um ou dois pontos eu me deixei permanecer na zona de conforto, e quando o céu escureceu, quando a estrela do norte não pode mais ser vista eu fiquei desorientado, mas então foi ai que eu me lembrei de antigas tempestades e me lembrei também que sou um marinheiro, um navegador, e diante de tal lembrança eu retomei o controle e a posse de meu barco e rumei para o oceano.
Neste ano, eu desejo que todos nós possamos tomar controle e posse de nossos barcos, desejo também e com mais vontade que aqueles que ainda não encontraram seus barcos, possam, nem que seja a nado, tomar o rumo de suas vidas. Desejo que em dois mil e quinze os sonhos possam sair das gavetas, os beijos sejam enfim dados e as palavras não sejam negligênciadas.
Eu sei que a porcaria do ano novo não fará nada por nós, e que na verdade é apenas e somente um dia após o outro, ou mais uma volta que demos ao redor do sol. Grosserias à parte, eu gosto de encarar o fim de ano como o fim de um ciclo e o inicio de outro.
É tradição, e como eu disse, eu acho bacana.

Feliz ano novo!





O camaleão sentimentalista.

foto: Ipanema/ RJ, por Arlan Souza - arquivo pessoal



terça-feira, 9 de dezembro de 2014

As Novas Cores do Camaleão.



Toda casa precisa de uma mão de tinta de vez em quando, uma reforma pequena também faz bem, e no caso do camaleão, já estávamos ficando negligentes. Esta semana inauguramos com muito orgulho  o novo layout, o novo mascote e as novas cores do Camaleão Sentimentalista e, novamente posso dizer que me sinto maravilhado por ter chegado até aqui, por ter conseguido me traduzir e me por em palavras por tanto tempo. Isso é uma delicia, a cada texto, desenho e conto é um gozo, um contentamento infinito.
Apesar de ter posto um pouco mais de cor no blog, minha proposta continua sendo a de deixar o camaleão o mais limpo possível, com foco no texto central e livre de publicidade. Uma das novidades é a página no face book, criada recentemente afim de centralizar seguidores e facilitar o trabalho de divulgação. As páginas permanecem as mesmas: O camaleão; Convidados e Galeria.
Este blog, caros leitores, é a minha mais justa, clara e verdadeira tradução. Aqui eu me ponho, me pinto, visto e tiro a roupa. Aqui eu viro a madrugada, manhãs de domingo e tardes de feriado.
E para comemorar, vamos escrever, contar histórias, narrar fatos e traduzir sentimentos e sensações.

...

As Aventuras de um Garoto Qualquer

é meia noite de uma segunda feira de um dezembro quente. O garoto decidiu sair!
Pegou a bicicleta na garagem de casa e se pôs no mundo. Queria ver o céu e a lua, talvez o amanhecer também. Pedalou pelo bairro e se regozijou com a brisa que batia devagar e leve em seu rosto. - As ruas desertas são perfeitas para se pensar. Pensar na vida, na gente e nos outros também.
O garoto pedalava no compasso de uma sinfonia imaginária, hora se levantava do assento para sentir um pouco mais de adrenalina e deixar ainda mais sublime aquele momento.
Três quarteirões ao norte de sua casa o bairro era cortado por um pequeno córrego que em sua margem  direita possuía uma praça. Aquele era o destino final do percurso. Largou a bicicleta encostada sob uma arvore e foi sentar-se no balanço. Ali, longe das luzes das casas era possível ver o céu com mais nitidez e tranquilidade. Era possível também organizar as ideias e sintetizar melhor alguns conflitos da alma e da mente. Sim, o menino é muito jovem, mas nem por isso não tinha o direito de ter conflitos e um punhado de coisas importantes para pensar. Só que naquele momento ele foi vencido bela beleza do céu pontilhado e envolvido pelo silêncio, só conseguia admirar e sorrir a cada novo ponto luminoso que descobria no infinito do mundo. "E então este era o papel do universo" - pensou ele: O universo é uma força gigantesca que se renova, transforma, morre e renasce a todo instante, e nós, como parte do universo, também estamos sujeitos ás suas mudanças e alternâncias de ciclos. O mundo continuaria girando e girando e girando sem parar Naquela noite o garoto era um observador dos ciclos do mundo, e compreendeu que logo pela manhã deveria retornar para casa e promover os ciclos de sua própria vida, afinal, não podia sentar sempre no balanço e  ficar vendo a noite virar dia e o dia virar noite, era preciso viver.


imagem:google

domingo, 23 de novembro de 2014

A Fotografia Transcendental e Nudista de Olivier Valsecchi

Quase sempre, enquanto escrevo, procuro pesquisar, seja por trilhas sonoras pra servir de inspiração ou dúvidas de ortografia, e ao fim, acabo na busca por uma fotografia, a imagem que traduza, e anteceda o texto. Essa última, é a pesquisa mais difícil e também a mais prazerosa. Pra ser sincero, todo o processo de pesquisa é uma delicia, porque  aprendo, conheço e descubro; Lugares, pessoas, línguas, coisas. E foi no meio do processo de pesquisa para um dos meus textos que me deparei com o trabalho, ou melhor, com a ARTE  de Olivier Valsecchi, artista francês de 36 anos.
Pelo o que consegui apurar, Olivier começou na musica e descobriu a fotografia enquanto produzia as capas de seus próprios discos, desde então ele pegou apreço pelas fotos e decidiu especializar-se.
O ensaio pelo qual conheci suas obras é chamado de "I am Dust" ( eu sou poeira) baseado no conceito da Fênix, o pássaro mitológico que renasce das cinzas, e também em sua própria experiência durante alguns anos com trabalhos não bem sucedidos.
 Para compor a atmosfera surrealista foram usadas cinzas de verdade, retiradas de uma lareira.
 Não tenho conhecimento técnico  em fotografia, mas sendo esta uma arte, eu aprecio e me dou ao direito de compartilhar as coisas maravilhosas que encontro.
Em seu site existem outros trabalhos, bem como, maiores informações, mas cá entre nós, a  fotografia de Valsecchi me atrai porque transcende o mundo físico, os modelos parecem estar em transição; como se fossem evoluir,  se transformarem em pessoas melhores. O jogo de luzes com as cores simplistas dão um toque melancólico,  a magia fica por conta das cinzas, e o resultado é maravilhoso:








Todas as fotos © Olivier Valsecchi




Fontes: doinelgallery.com
              hypeness.com.br

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Que a tua alma goze, todos os dias.



Meu bem,  você quer mesmo saber o que eu acho?
Então eu vou dizer!

Vá toma no cú! Foda-se você e essa sua vida cheia os de propósitos pequenos e mesquinhos.
Escolha propósitos maiores, motivos que estejam além de você mesmo e dos outros. Escolha uma verdadeira mudança, uma mudança pequena, a princípio, mas devastadora a longo prazo.

Deixa dessa de encontrar alguém, de esperar, como cantou Cazuza, "alguém que caiba no seu sonho".
Cara, para com esse lance de esperar. Vai, vai lá e faz, vai lá e muda de emprego, vai lá e muda de cidade, vai e deixa a barba crescer, vai lá e raspa a cabeça, vai lá e faz alguma coisa, mas por favor, vai, e vai logo porra!

Você já ouviu falar em contentamento da alma? Algo como quando os pelos do teu braço ficam eriçados e um vento gelado percorre a tua nuca? Tipo gozar sem estar transando ou se masturbando.
Você já sentiu isso no fim de um dia de trabalho? Ou em uma tarde de domingo depois de um almoço em família? sei lá, a tua alma já esteve em pleno contentamento por estar viva e conectada com você mesmo?

 Cara, você entende o que eu tô tentando dizer? Ou tudo isso parece loucura pra você?
Confesso que já senti isso, não sempre, mas vez ou outra, no meio do dia, na hora do almoço ou enquanto converso com algumas pessoas, de repente me vem essa sensação de contentamento, esse sublime gozo da alma, é maravilhoso, é estupendo. E de alguma forma eu sei que o caminho pro meu bem estar e felicidade é maximizar as coisas que fazem com que eu me sinta assim.

Eu só quero dizer pra você sair dessa fossa e parar de culpar a porra da sociedade e a droga do mundo, deixar dessa síndrome de adolescência tardia e encarar os fatos: você já é gente grande!
Poxa, o fato de você estar sozinho não diz nada, não é injustiça ou pecado. O fato de você ter um emprego medíocre e morar no subúrbio não quer dizer nada, nada, nada! O mundo continua girando e você não é a vitima, você tá mais para co autor da merda que é a tua vida então não me venha com mimimi. Pessoas estão morrendo enquanto eu escrevo esse texto, as estatísticas apontam. Morreram agora mesmo pessoas estupradas, atropeladas, vitimas de racismo, homofobia, machismo. Morreram  hoje umas dez no oriente médio, outras quinze lá na China, um ou dois acabaram de levar um soco de graça lá na augusta, sem falar do outro que morreu esfaqueado ontem, lá perto, no ibira. Do outro lado da rua, na assembleia legislativa um acordo foi assinado, um bilhão de reais, euros, libras e dólares em verbas públicas desviados.  E morreu agorinha mesmo, de infarto do miocárdio, mais uns vinte desgraçados. Mas ó, o mundo continua girando e não vai parar só porque você decidiu entrar em crise.

E toma  cuidado, porque esse negocio de morte é aleatório, de repente se morre, assim, do nada.
Mas de verdade cara, eu não quero que você vá tomar no cu, eu quero mesmo é que você se encontre e tenha a força, para fazer as mudanças que são necessárias.

Eu desejo que a tua alma tenha orgasmos múltiplos, todos os dias!



fotografia: Olivier Valsecchi

sábado, 4 de outubro de 2014

A fronteira do Ser




O rapaz caminhava sobre o muro, o divisor do ocidente e oriente. Pensava sobre qual dos lados seria melhor para morrer. Teria ainda forças para decidir sobre qual lado tombar após a bala atingir seu peito? Faria realmente alguma diferença morrer a esquerda ou à direita? - Engraçado, pensou ele. Até mesmo na antevéspera da hora da morte o ser humano podia ser confrontado.  Antes do descanso eterno uma escolha corriqueira para findar seus dias na terra.
Para dissipar o tormento dos últimos instantes ele decidiu caminhar até outrora e reviver as escolhas que o levaram até ali. A primeira vez em que defendeu sua retórica e foi a fundo com suas convicções acabou sendo expulso de casa, mas isso pouco importava, afinal de contas, sairia de casa de qualquer modo, pois tinha se alistado para ir à guerra, lutaria como colaborador das forças anti governo e assim o fez aos vinte e dois anos. Alguns anos antes, quando entrou na faculdade, lembra-se da noite em que teve o quarto queimado após defender o direito dos afrodescendentes, bixas e mulheres em seu primeiro artigo para a aula de literatura moderna. Mesmo agora, depois de formado, não conseguia entender como uma simples defesa do outro podia gerar tanto ódio. O que queriam afinal, que não houvessem contra pontos? Que não existisse uma segunda, terceira ou quarta opinião? Mas hoje nada disso importa, ele vai morrer em alguns instantes. Vai morrer porque defendeu suas convicções, vai morrer porque tomou partido. - Droga! - pensou em voz alta. Maldita ideologia existencialista, maldita preferência, maldito gosto.
- Olá Rupert, você é Judeu? Você é cristão? Muçulmano? Homossexual? Negro? Poliglota? Afegão?
Porra de divisão socioeconômica e cultural. Drama, romance, comédia, sá porra toda é uma sucessão de escolhas forçadas. Nos estereotipamos o tempo todo. Nos dividimos, nos separamos. Desde a primeira infância aprendemos a separar, a dividir: rosa para as meninas, azul para os meninos, branco é paz, preto é guerra, vermelho é sangue.
Meninos não podem dar beijo no rosto uns dos outros, e meninas devem brincar de boneca, e não jogar futebol.
O rapaz voltou ao muro quando ouviu tiros ao longe. Estavam perto, seus carrascos estavam chegando, mas ele não iria correr, fugir ou se esconder. Já estava decidido, ficaria ali mesmo onde estava e esperaria por eles, não ia fugir porque concluiu que no mundo todo nenhum lugar lhe despertava mais a atenção, não importava onde fosse, porque tudo e todos não passavam de réplicas menos ou mais piores. Todo lugar na terra onde possa existir gente humana é uma bomba preste a explodir, e sendo assim, que ele se deixasse explodir ali mesmo, sem maiores sacrifícios. Era só esperar mais um pouquinho.
- Com leite ou puro senhor? Senhor?!
Era um domingo de manhã, um domingo gelado e o homem estava divagando lá pelas terras do ártico.
- Perdão senhorita. Eu quero puro e sem açúcar, por favor.
- Claro, é para já.
- Obrigado.
Escolhas, escolhas, escolhas. Eu não escolho nada. Mas até isso é uma escolha. Ficar a margem, ao centro, isso também é escolher.
O rapaz se lembrou do Marcus, um professor socialista que tivera no ginásio. O cara tava sempre falando das escolhas que tomamos ao longo da vida. A lista é enorme: comunista, capitalista, esquerda, direita, centro esquerda, alternativo, passivo, ativo, pró-governo, cabelo longo ou curto, careca talvez. Mas o que o levou realmente a pensar no Marcus foi porque o seu professor era uma cara loucão, um anarquista, um sem partido algum na vida e vivia dizendo pros alunos que ser alguém nesse mundo é o primeiro passo para não ser ninguém. Isso porque, segundo ele, tudo que achamos que podemos ser é na verdade uma concepção anterior a nossa ideia de ser, portanto, não escolhemos porra nenhuma, apenas optamos por um alguém já pronto e, sendo assim, o Marcus se autodenominava como senhor ninguém. - Eu sou nada, dizia ele.
Mas e eu, pensou o rapaz, - o que sou? - Quem sou?
 O que ele é o levou a não ser mais nada. Estava prestes a morrer exatamente porque decidiu ser alguém, decidiu ter opinião formada, e o pior, ele decidiu expressar e disseminar suas opiniões e concepções a respeito do mundo. O garoto em cima do muro na fronteira entre oriente e ocidente é só um garoto, comum. Ele tem vinte e três anos e se formou em literatura na universidade de Israel. Seu nome é Nadim, ele morava do outro lado da fronteira, fora do estado de Israel. Nadim sempre defendeu as minorias, sempre foi amigo dos desertores, dos negros, das bixas. Ele sempre apoiou a contra cultura e sempre foi anti governo. Nadim talvez tenha nascido no pais errado, na época errada, ou não. O fato é que Nadim jurou nunca negar quem é, o que é e no que acredita. E é por isso que Nadim está sobre o muro, é por isso que ele está na fronteira do ocidente e oriente, porque ambos o rejeitam, um lado fecha os olhos e finge que não o vê, o outro lado o vê tão bem que se sente incomodado e o quer expulsar, e assim Nadim ficou sem terra, sem lar, sem norte. Na fronteira do mundo ele decidiu se deixar cair, ou melhor, ele decidiu não mais correr. Talvez ali fosse como na área de embarque e desembarque internacional de um aeroporto, talvez ali fosse a terra de todos e de ninguém. Nadim decidiu ser alguém e elevar o seu ser até a morte.
Ali em cima do muro aquele rapaz, aquele homem, aquele ser humano estava prestes a cruzar a fronteira do ser. Uma vez não renegando ser quem é, uma vez morrendo afirmando e defendendo ser quem ele é o garoto imortalizaria suas convicções. Na fronteira entre ser ou não ser, Nadim escolher SER, decidiu caminhar mesmo que sozinho, na infinita companhia de sua própria crença.
Apesar do destino maldito que o aguardava dentre em breve, Nadim se sentia um homem de sorte, pois tinha ali a liberdade e a sabedoria em poder ver no mundo milhares de alternativas de vida e de pontos de vista. Não culpava os seus carrascos, não os queria mal, pois sabia que diferente dele, aqueles pobres homens estavam corrompidos, a liberdade de ser os havia sido roubada, sequestrada e destruída. Como boa parte das pessoas deste mundo, aqueles homens que marchavam para matar Nadim não eram mais os donos de si mesmo. Eram desde muito tempo escravos do pensamento de outros homens, homens esses que talvez também não fossem donos de deles mesmos. Nadim se declarava um homem livre, a única coisa que lhe estava sendo roubada era a possibilidade de ser ele mesmo por mais tempo. - Mas isso seria recompensado - pensou Nadim, com o fato de morrer sendo ele mesmo, morrer sendo quem ele decidiu ser.

- Eu escolho flutuar sobre todos vocês seus otários, gritou o rapaz ao mesmo tempo em que se lançou no ar. Seu corpo foi atingido ainda suspenso por sessenta disparos de espingarda que o fizeram se contorcer de mil e uma formas. Ao fim caiu bem no centro do muro, e assim morreu metade árabe metade judeu, embora não fosse nenhum dos dois e nem mesmo outra coisa além de ser ele mesmo.

domingo, 31 de agosto de 2014

Cem Anos de Solidão




O tempo é um gigante implacável indestrutível e pleno de conhecimento e verdade.
Cem Anos de Solidão é a tradução do tempo, é a sua mais clara e justa definição.
Os Arcádio Buendia são os nossos reflexos ou nós somos os deles?
Somos a família que destrinchou territórios, que se ergueu do nada e se fez próspera. Somos também sua solidão, aprisionados em nosso conhecimento e já sem meios, porem, não sem vontade de voltar a ser alheios as verdades e as mentiras desse mundo.
Gabriel Garcia Marques traduziu em seu livro o povo brasileiro, o nordestino voraz e persistente. Traduziu a nossa pobreza e miséria e também nossa sede de igualmente querer mais e melhor.
Garcia Marques traduziu a América latina e sua posição de inferioridade, mas cheia de grandezas roubadas, ignoradas e tantas vezes desperdiçadas.
O livro estampa a bestialidade de um povo cego e que aprendeu a tomar por verdade a tradução de fé dos senhores do mundo.
Cem anos de solidão fala de tudo: da miséria, dos vícios, do incesto, do amor e do ódio. Fala da família e seu poder secular.
O livro é antes de mais nada um aviso a todos nós que somos gente. É um recado e uma verdade inevitável:
Tudo passa!
Macondo é o mundo e nesse mundo a solidão já impera muito além dos cem anos.


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A dança


(foto google)


Braços ao alto olhar no infinito, queixo arqueado e o corpo cai. Ao chão e bum!
Levanta e corre. Braços abertos e roda, roda e, roda.  É o balé da vida!

A sirene toca, ela estrala os dedos e corre e salta. Atleta!

Sexta anoite e o corpo acorda, do chão ela sobe e desce, estica-se, alarga-se. Artista!

No mundo fevereiro, na rua samba, no Brasil é festa, na Bahia carnaval. Gente que dança!

Nas ruas, fábricas, escritórios e vidas mundanas; todos dançamos. Alegres ou tristes, todos dançamos.

No palco da vida eles dançam, usam e abusam do corpo.
 O rapaz gosta de dançar, chega tarde tira a roupa e vai.  No escuro ele não é ninguém. É apenas um corpo e a musica, juntos são um só.
 Para cada nota um passo, para cada agudo um pulo, para cado dó um Ó. O menino dança, sua e respira,. Ele se sente livre e transpira. Fecha os olhos mesmo no escuro, é para sentir mais... ser demais!
A música começa e uolll, ele tem orgasmos múltiplos de contentamento em ser quem é. Não se aguenta em tanta energia contida e explode. Corre, gira e um, dois, trés e vai... e dança, dança como se dependesse
disso para continuar vivendo.
Narciso, David, Hércules, Zeus e Gaia.
O menino é rei de si mesmo!
E a música para. Break, start again.
Ao palco ele volta. No centro ele pula, corre, estica-se. A música é um ritual de libertação, a dança é encarnação de todos os que somos: o calmo, o aflito, o louco e doido, o temente, o medroso o artista e o amador. A mulher, o homem. Na dança somos hermafroditas.
Meu bem, quem és tú diante da grandeza de viver?
Vá! Pois sou liberto e nasci só.
Eu danço, danço para expandir quem sou.
Eu danço, mas não se enganem, pois não é pro mundo, eu danço é pra mim, por necessidade.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Quando o amor vira ternura



                                                                     (imagem google)

A casa fica mais bonita quando recebemos visitas. As vozes aqui proferidas foram muitas, foram diversas. Cada um de nós tem algo a dizer, cada pequena pessoa desse mundo redondo, louco e doido tem um ponto de vista. Não briguemos! O diálogo é tão mais bonito e vantajoso.
Para que guerras? quando podemos fazer um sarau de poesia e pontos de vista.
Foi lindo minha gente, as páginas deste blog estão muito mais ricas desde então, e esse camaleão que vos escreve é felicidade pura por receber em sua casa os amigos. Obrigado leitores, amigos, blogueiros e afins, o que fizemos aqui ao longo deste mês foi muito mais que uma comemoração por uma data especial, foi a celebração da palavra escrita e dita. Foi uma contribuição singela, sim, mas cheia de  verdade e carinho para a literatura e para os apreciadores da rima, do verso e da prosa.
Sintam-se todos abraçados e agradecidos.
E para fechar as comemorações eu trago ele, o que começou a festa.
Pedro, o parceiro mais que primeiro do Camaleão. Apreciem.

                                                                              ...





Um casal de jovens chamado Claudio e Roberta de aproximadamente dezesseis anos, sempre muito amigos, compartilhavam entre si todos os seus planos, seus medos, anseios e também todas suas particularidades amorosas, sem nenhuma restrição, vergonha ou preocupação do que um iria achar do outro.   Muitos achavam que os dois tinham um caso, mas os mesmos não ligavam sobre os pensamentos que os outros tinham por eles, acreditavam que as pessoas tinham inveja de sua amizade forte e verdadeira. Essa amizade que era assim, desde os tempos de criança, mas, o que eles não sabiam que o destino começaria a liga-los de uma outra forma, uma ligação mais profunda.  Roberta foi quem começou a olhar Claudio com outros olhos, ao passar o tempo, os dois saíram da adolescência e logo amadureceram. Não só os seus corpos, mas sim suas mentes. Roberta não tinha mais aquele sentimento de amiga por Claudio, começava a se manifestar dentro daquele corpo feminino, formado por dotes esculturais de belos seios, coxas torneadas, curvas bem acentuadas e definidas cobertas por uma pele morena de cor de cravo e cheiro de maça e canela um sentimento traiçoeiro até então naquele presente momento. Sim, meus caros, a deusa Afrodite tocou aquele coração puro e ingênuo que revelou toda magia o poder da sedução e os segredos do mais nobres do sentimento, o amor.  
Mas Roberta nunca manifestou-se em dizer isso a Claudio, pois além de ter receio sobre o que ele iria pensar ela era sua confidente, ela sabia de como era Claudio pois sabia dos seus relacionamentos, como iniciavam e já previa como os mesmos terminariam.   Roberta conhecia Claudio mais do que ele conhecia a si próprio.  Um belo dia, Claudio contando como terminou mais um de seus breves relacionamentos, não esperava a atitude de sua amiga, que de forma inesperada, parou sua conversa ao meio e declarou, enfim, aquele amor que estava adormecido.   Claudio não aceitou, dizia a ela que estava confusa e que não via a mesma com uma mulher e, sim, como uma amiga e quase uma irmã. Roberta disse que não se importava pois sabia que uma hora Claudio também despertaria o amor dentro dele.  O tempo passou, Claudio e Roberta continuaram amigos, tiveram seus relacionamentos passageiros, entretanto, Roberta nunca negou que aquele sentimento que tinha por Claudio tinha se apagado.    Foi que aos poucos que Claudio passou a vê-la com o instinto masculino entre um homem e uma mulher, de fato. Não estava ali mais a sua amiga, seu porto seguro, estava uma mulher ardente que atraía tantos olhares, porém, a mesma só tinha mira certeira para ele, enfim, os dois juntaram seus sentimentos recíprocos e seu instinto sexual aflorado e, assim, nasceu um relacionamento onde o desfecho foi um casamento com filhos.   Mas quis o destino, que juntou um casal em um paraíso de sentimentos de amor e amizade, levar um deles a viver um inferno astral. Claudio mesmo vendo o quanto sua mulher era admirável, não só pelas características físicas mas pelos aspectos individuais como boa esposa, fiel, a essência mais pura de ser mãe, carinhosa, compreensiva, dedicada, enfim, ele começa a perceber que o seu relacionamento de ter se casado foi um terrível e grande erro, pois aquilo que explodiu dentro dele há um determinado tempo não era amor de marido e mulher, e sim era desejo, fogo, paixão.  Agora nesse momento ele vê que o seu casamento tem todos os sentimentos, inclusive o amor mas não um amor entre homem e mulher, mas um amor de amigo, o que podemos chamar de ternura. fogo mesmo da paixão e do amor real desapareceu com o passar dos anos. Roberta meio que desconfia sobre esse possível fim de desejo e quando põe as cartas na mesa para ter aquela terrível discussão da relação que qualquer homem normal detesta, ele foge e diz que isso é coisa de mulher, teimosias que ela tinha desde sua adolescência que ele tanto conhecia, mas o instinto que mora no fundo da nossa profunda e escura inconsciência não se engana.  Roberta morre de medo em saber em que aquilo que ela tanto desconfia pode ser a mais terrível realidade e Claudio tem medo de estar errado que essa falta de paixão seja algo normal e que um dia vai passar e aquele insano desejo volte, porém, não volta dia após dia. E assim eles vão levando a rotina de um casal ligado pela amizade do passado, sacramentado pelo fogo da paixão e unidos por uma singela ternura, vivendo amargurados por medo de magoar um ao outro e vivendo de uma triste fantasia chamada de infelicidade. 


  Pedro Bravo Frutos Júnior Professor de história na rede Estadual de São Paulo.    

domingo, 20 de julho de 2014

Quando o Coração dele virou Cinzas

                                          

Foi em uma madrugada fria lá em 2009 que eu encontrei sem querer o blog "Sobre Ninfas e Sátiros" e por ali fiquei durante algumas horas.
Me identifiquei com o que se escrevia ali; era doce e frio, triste também, mas aconchegante. Mais que isso, encontrei verdade naquelas palavras, e foi por isso que fiquei. Aos poucos fui visitando a página mais e mais, até que comecei a comentar as postagens e me lembro quando fui intrometido e pedi em um dos comentários para que a blogueira fizesse postagens mais frequentes,  foi ai que começou minha amizade a distância com ela.
Hoje trocamos visitas um ao blog do outro, e tenho tido a felicidade de estreitar distâncias através de palavras. 
Ariela é seu nome, o mundo é a sua casa e na fantasia ela reina absoluta.

Confesso que sempre quiz um texto dela aqui, porque tem magia naquilo que ela escreve.
O camaleão está honrado em recebe-la.
Ariela, minha amiga blogueira, seja bem vinda!

Apreciem.
                                                                    ...

Tudo começou longe. Óbvio. Paixões assim nunca acontecem por perto. Mas enfim, ele estava longe e ela também. Ele gostou dela, mas assim, só gostou. Mas ela meio que o esnobou.
Só que ela voltou. Achou ele por aí. E ele tinha gostado dela, lembra? Era um papo meio assim, meio sem contexto. Mas gostou.
Aí, um dia, numa festa sem pé nem cabeça, eles se encontraram, um sem querer meio por querer... Pronto, foi consumado.

Mas claro, a vida não podia ser legal com ele. Por que seria? Ele estava longe e chegou a hora de voltar.
Ele ficou meio triste, ela disse que estava também. Mas disse. Só disse. Porque era só isso que ela fazia, é só isso que ela sempre fez. Disse.
E ele foi embora. Assim mesmo, sem mais nada. Só foi. Mas foi irritado. Porque ele gostou dela. Só que agora ela tava longe e ele não. Ele estava realmente irritado, sabe? Porque ele não queria mais um amor perdido. Não era justo os amores dele sempre se perderem por aí, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Foi aí que ela decidiu voltar também. Não que ela viesse para perto, mas pelo menos não estaria mais tão longe, e talvez por, quem sabe, uns cinco segundos o coração dele bateu mais rápido. Ele ficou muito irritado. Não era para ele se apaixonar assim, não é assim que as coisas funcionam. Mas como lidar com as constantes aceleradas que o coração dele dava quando ela ia sem mais nem menos falar com ele? Como lidar? Ela dizia que gostava dele. Claro, como sempre, dizia, só dizia. Só que ele não, ele gostava mesmo dela, do seu jeito sarcástico e irônico, com o humor negro. Ele gostava, gostava demais.
Foi então que ele decidiu ter um daqueles cinco segundos de coragem insana e foi ver a menina. Assim, sem mais nem menos. Um belo dia mandou o "to indo aí te ver". Talvez, por outros cinco segundos, uma mera esperança tenha surgido nele. Talvez a vida não tivesse sido tão ruim com ele, talvez aquele não fosse um outro amor perdido. Quem sabe? Talvez estivesse na hora dele deixar de ser tão inseguro e desconfiado e passasse a confiar nas pessoas. Só um pouco. O que poderia dar errado afinal? Ela dizia que também gostava dele. Mas dizia, só dizia.
Enfim, ele foi, sem medo de ser feliz. E, de fato, a felicidade estava estampada na alma dele quando ele voltou. Não podia dizer que não tinha certas esperanças, mas não queria se apegar agora, não agora. Mas ela... ela dizia que tinha esperanças, ela dizia que tinha se apegado. Sempre dizia. Ela dizia que queria vê-lo de novo, que estava com saudades. Ele lutou, com todas as forças, mas como? Ela estava lá, dizendo que gostava dele!
Ele se sentiu mal. Se sentiu mal porque achava que a vida era ruim com ele por sempre tirar seus amores, mas agora que ela havia lhe dado um, ele ficava com graça.
Foi aí que ele decidiu se apaixonar. Simples assim. Se apaixonar enlouquecidamente, como se mais nada no mundo fosse importante. Ela deu o espaço, ele aproveitou. E eles se amaram, um pouco longe um do outro, mas se emaram. Só que por exato um mês.
E aí o coração dele partiu pela primeira vez.
A sensação que ele teve foi que haviam amarrado dez bigornas de ferro no corpo dele e o jogado no mar. Era exatamente a sensação de ver reflexos da superfície ao longe, enquanto se está no fundo, morrendo aos poucos, sufocando, sem ar, sem ar...
Sim, foi exatamente essa a sensação que ele teve.
Depois disso, ele simplesmente queria que a dor o consumisse de tal forma que ele morresse, tentava com todas as forças morrer de tristeza. Ele a odiava com todas as forças que tinha, mas a amava com todas as forças também.
Só que aí, ela apareceu! Quer dizer, reapareceu. Como se nada tivesse acontecido, dizendo que gostava dele, que estava com saudades, que queria vê-lo de novo.
Nem toda a irritação do mundo era tão grande quanto a dele e, sinceramente, só não era maior porque parte dele deixou de ficar irritado para ficar confuso. Ele queria dizer para ela que ela não prestava, que ela era uma vadia qualquer. Mas como? Ele pedia, implorava aos céus para saber como fazer isso. Ele não podia, não podia. Porque se ele falasse... ela nunca mais falaria com ele. Porque ela falava que gostava dele e ele gostava dela também. Ele não sabia o que fazer, não sabia. Simplesmente não sabia.
Então ele empurrou a situação, sempre respondendo, sempre se falando... e ela sempre dizendo o quanto gostava dele, o quanto estava com saudades, o quanto queria vê-lo de novo. E a cada dia, uma nova rachadura aparecia no coração dele. A cada dia a dor ficava mais funda. A cada dia... a cada dia.
Só que chegou uma hora que ele cansou. Ele estava lá sofrendo por uma causa perdida, mantendo uma coisa que o fazia mal. E só ele estava sofrendo. Só ele, mais ninguém. E decidiu superar e saiu espalhando o resto de amor que tinha em seu corpo por aí. Claro, que muitas lágrimas rolaram antes disso, mas era hora de superar, tinha que ser!
E sabe que ele estava conseguindo? Sabe que por uns dias ele parou de odiá-la? Por algum motivo ele tinha tomado uma decisão e todo o universo estava conspirando em favor dele. Ele se sentiu feliz. Ele não entendia, porque fazia tanto tempo que não se sentia plenamente feliz, que ele não conseguia entender o que estava acontecendo com ele. Parecia que nada no mundo, nem ela, seria capaz de tirar essa felicidade nele. Mas parecia, só parecia.
Porque agora era a vez dela. Assim, sem mais nem menos. Um belo dia mandou o "to indo aí te ver".
Foi como se ele tivesse morrido e ressuscitado cem vezes seguidas.
Ela iria ver ele? Por que? O que ela queria?
Ele não sabia.
Será que ela não sabia que tinha deixado o coração dele em pedaços? Será que não sabia que ele estava superando? Será?
Mas era bem o jeito dela, sabe? Aparecer assim de surpresa, com aqueles olhos sarcásticos, meio que sugerindo, que questionando. Mas ela dizia. Sempre dizia. Dizia que gostava dele e ele gostava dela também. Como duvidar de um sentimento que ele tinha também?
E ele acreditou, assim, simples assim. Acreditou porque gostava dela. Acreditou porque ela dizia. Mas ela só dizia, só dizia. Mas como não acreditar? O coração dele se recusara a partir de novo, ela estava indo vê-lo. ELA estava indo, como não acreditar?
E ela foi. E ele a viu. E ele lembrou poque era apaixonado por ela.
Desde então, eles não pararam de se amar. Não havia um minuto do dia que não se amassem. E daí que estavam um pouco longe? Nada mais era importante, nada mais. Enquanto eles se amassem. Mas ela dizia que gostava dele, mas só dizia, só dizia. E ela fez ele acreditar.
O problema é que vida definitivamente não era legal com ele: quando finalmente seu coração começou a se recuperar, quando finalmente esse lado da vida dele estava dando certo, a vida fez com que todas as outras partes dessem errado. Todos os sonhos, todas as esperanças tinham ido por água abaixo. Menos ela.
Nesse ponto, ele estava morrendo, todas as partes do corpo dele estavam morrendo, a vida o tinha feito morrer. A única coisa que sobrava daquele corpo era o coração, que ela insistia em segurar e manter inteiro, apesar de estar todo partido. O único motivo dele acordar todos os dias estava sendo ela dando vida ao coração dele, a única coisa que ainda estava viva em seu corpo. Ela dizia que gostava dele, que queria que ele ficasse bem, que queria vê-lo. E ele acreditava, porque ela tinha ido vê-lo, porque estava dando vida ao coração dele, porque ela era sua única e última esperança.
E ela deu vida ao coração dele, um pouco longe um do outro, mas deu. Só que por exato um mês.
De novo. Um mês. Só um mês.
Foi então que ela, mais uma vez, partiu o coração dele. Mas dessa vez foi diferente: ela partiu, moeu, pisou, destruiu e ateou fogo no coração dele. E o coração queimou. E o fogo foi consumindo cada parte, cada centímetro.
Até que ele virou cinzas. E ela o deixou lá, justamente quando ele precisava dela, justamente quando ela era a sua única esperança.
E ele morreu. Simples assim. Morreu.
Morreu sem entender. Morreu sem saber.
Só o que ele não sabia, é que existia uma força dentro dele, uma força que até hoje ele não sabe o que é. Que fez ele ressuscitar das cinzas. Não completamente, só algumas partes.
Mas essa nova vida estava repleta de dor. Uma dor insana e profunda, que não deixava ele viver, não deixava ele respirar. Era a dor de tê-la deixado fazer o seu coração virar cinzas. Dor de ter que seguir em frente. Dor.
Uma dor tão grande e extrema que o consumia. Toda sua força, toda a sua alma se resumiam em dor. Dor de ser um idiota. Dor de ainda ama-la. Dor.
Foi aí que ele a deixou ir. Deixou ela ir embora de dentro dele. Porque ele não aguentava mais, ele não aguentava. Ela não cabia mais dentro dele, então, por que mantê-la ali dentro?
Foi então que ela decidiu voltar para ele. De novo. Ela queria voltar, ela sempre tentava. Ela dizia que gostava dele. Dizia, só dizia, como sempre. Dizia que iria ajudá-lo. Dizia que não o faria mais mal. Mas dizia, só dizia. Como sempre.
Só que agora não tinha mais espaço para ela. Não tinha. Não mais.
Porque ela morava no coração dele.

E o coração dele tinha virado cinzas.



                                                                                                                     Ariela de Oliveira


(fotos: I am Dust, de Olivier Valsecchi)