domingo, 25 de maio de 2014

Físico ou Abstrato - Parte 9




 Magestri. café Royale, 16:00 hr.

Essas eram as coordenadas. Eu deveria aguardar sentada até que o estranho viesse ao meu encontro.

- Boa tarde Marcela! Fico feliz que tenha aceitado meu convite. - o estranho havia chegado.
- Por favor, não me chame mais por estranho. Acredito que depois de tanto tempo e tantas emoções já podemos nos considerar íntimos. Me chame pelo nome.
- Marcelo!
Bom, agora sem mais delongas, serei direto.
 Eu a considero uma mulher bastante inteligente Marcela. E nós dois sabemos o que precisa ser feito.
Antes de qualquer coisa você precisa voltar ao hospital São Miguel Arcanjo, Mariana não está morta, mas vai precisar de uma transfusão de sangue e só você é compatível.
Em relação a Catarina, sabemos que ela precisa de um lar, de uma família. Seu marido se afundou no trabalho e quase não a vê mais, Mariana se entregou aos estudos, mas Catarina é muito nova e só lhe restou as drogas e as más companhias.
Sua ultima tarefa Marcela, será unir outra vez o seu ex marido e sua ex melhor amiga. Felipe e Ângela devem ter de volta o tempo perdido. Isso certamente dará a todos o que eles perderam.
Sua filha terá uma mãe que já não pode mais ser mãe, Felipe saberá da verdade sobre quem você realmente é. E finalmente Ângela. Se ela tiver a oportunidade de contar toda a verdade ao Felipe sobre a maldita noite em que foi estuprada ela poderá denunciar o estuprador e terá seu nome limpo. E não se esqueça Marcela, os dois se amavam antes de você. E na sua ausência, na ausência do seu ódio e da sua  raiva, certamente vão se amar outra vez.
Agora vá Marcela. Vá e devolva a todos eles as vidas que você tem roubado.


sexta-feira, 23 de maio de 2014

Físico ou Abstrato - Parte 8


(imagem - google)

Ângela, venha até aqui Ângela. Isso garota, vem cá.
Me da a tua mão, isso... agora coloca ela aqui... isso garota, aperta com força.
- O que é isso? Onde eu estou?
Calminha Ângela, fica suave. Eu cuido de você.
Aperta essa porra ai vai, chupa ela sua vaca. Chupa todinha.
- Não, não por favor, por favor não, não... socorro... socorro... SOCOROOOOOO...

                                                                             ...

Eu forjei aquele estupro!
Quando Ângela parou de gritar eu fui chamar o Felipe e perguntei se ele sabia onde ela estava. Ele, como eu já esperava disse que não, que já fazia algum tempo que não a via. Sugeri que procurássemos pelos quartos e assim fomos abrindo porta a porta até que ele abriu a ultima, no fim do corredor.
Ângela estava lá. Deitada na cama, dopada e nua. Ricardo fumava ao lado.

Eu destrui o namoro de quase cinco anos entre os dois.
Felipe era um rapaz muito bom e facilmente manipulável. Naqueles dias eu fui seu ombro, ele ficou destruído com a cena que presenciou. Aos poucos eu o conquistei com mentiras, armações e doses bem altas de falso amor.
Nós nos casamos e nos mudamos para a Capital. Ângela continuou no interior, sozinha e em completo abandono. Enojada e afundada em vergonha de si mesma ela jamais contou para ninguém que tinha sido estuprada. Para todos, ela cedeu passivamente aos encantos de outro homem e assim traiu seu amado namorado. Pobre Ângela.
                                                                                ...

Os trabalhos de reconstrução haviam começado. O estranho noturno me dera um pedaço de papel com trés endereços e eu deveria visitar cada um deles na ordem exata em que foram escritos.
O primeiro era o número vinte e cinco de uma rua no interior da antiga cidade onde nasci. Quando li pela primeira vez não relacionei coisa alguma, mas entendi tudo quando cheguei lá. Era o endereço de Ângela! E foi naquele exato instante que eu compreendi o propósito de toda aquela perseguição. O estranho noturno me conhecia tão melhor quanto eu havia imaginado. E agora eu sabia o que ele realmente queria de mim.
Era uma vingança inversa!
 Eu deveria me punir. Eu precisava devolver tudo que roubei; a começar pela vida de Ângela.

Haviam se passado dez anos, e certamente muita coisa mudou. Descobri que Ângela acabou ficando grávida, e o pior, a criança não resistiu!  Ângela ficou estério e nunca se casou.
Eu permaneci fria, tentei não assimilar muito mais e nem pensar que a culpa de tudo aquilo era minha. Embora soubesse que o propósito real era exatamente esse. Fui calculista e me detive em fazer apenas o que o estranho me pedia.
                                                                                 ...

O segundo endereço era a rua Maria Antônia, 1801. A rua do colégio.
O meu relógio marcava seis e cinquenta, a primeira aula começaria em alguns minutos e sendo assim algumas dezenas de crianças corriam apreçadas para entrar na escola, exceto uma garota que estava encostada no muro e aparentava certo discuido consigo mesma. Magra e alta e com os cabelos despenteados. Quando todos entraram e o portão foi fechado ela atravessou a rua. Eu não pensei duas vezes e a segui. Alguma coisa me dizia que eu a conhecia e conhecia muito bem.
Ela não percebeu que estava sendo seguida, alguns metros a frente ascendeu um cigarrro e continuou andado. Um pouco mais a frente, antes que ela virasse a esquina eu não me contive.
- Catarina?! - A garota parou subitamente e se virou para me olhar. Me olhou confusa, com olhos de repreenção.
- Quem é você? Nós nos conhecemos? - antes que eu pudesse dizer qualquer coisa dois garotos dobraram a esquina em sentido contrário ao nosso, eles também estavam fumando.
- Ora ora, ai está ela - disse o mais alto. - Catarina! Ela continuou me olhando.
- Então moça, você me conhece? Por que ta chamando meu nome?
- Não! Eu não a conheço, me desculpe. Pensei que fosse minha filha. Perdoe-me. - a menina desviou o olhar sobre mim e se dirigiu aos meninos.
- Que bom que chegaram. Detesto gente maluca. Vamos embora!

Permaneci imóvel por um bom tempo, até que as lágrimas começaram a cair. Eu não estava maluca, ela era minha filha, minha caçula. Catarina!
                                                                                ...

Uma manhã cinza de segunda feira e tal como o endereço anterior, esse também tinha horário marcado. As dez e trinta, pontualmente em frente ao  Hospital São Miguel Arcanjo, avenida Benevides, 1000.
Eu fazia sentinela na entrada principal do hospital e olhava ansiosa para o outro lado da avenida.
Num frenesi de pessoas apresadas eu me detive em uma em especial. Uma médica pensei. A moça trajava avental branco e tinha os cabelos presos em um rabo de cavalo muitissímo elegante. Aguardava inquieta o sinal verde para atravessar e foi ai que toda aquela conjuntura me fez repentinamente ter o lampejo de uma lembrança antiga...

...médica mamãe, eu quero ser médica quando eu crescer...
...SENTA E POE O CINTO MARIANA OU VOCÊ VAI SE MACHUCAR GAROTA...

Fui trazida de volta pelo estampido da batida. A jovem médica estava no chão, caída sobre uma poça de sangue. Eu não pensei em mais nada e sai correndo, fui até lá e me joguei ao seu lado. Em seu jaleco pude ler o que eu já sabia. Mariana Martins, medica pediatra. Minha filha sangrava em meus braços; eu voltei para vê-la morrer.


sábado, 17 de maio de 2014

Eu sou a fotocopia original do teu reflexo.




Eu sou a imoralidade e ausência total de bons costumes.
Eu sou o sexo bom.  A transa gostosa.
Eu sou a verdade escancarada;  uma puta de pernas abertas e vagina piscante.
Eu sou a fome; de vida,  de amor e dinheiro.
Sou guerra, ódio e dor.
Sou amor doentio e sem pudor.
Sou a dor. O desespero. Eu sou o medo!
Eu sou a luxúria, o sarcasmo. Eu sou um fardo;  pesado e solitário.
Meu bem,  eu sou a vaidade,  o supérfluo, o Mesquinho.
Eu sou tudo o que você diz ser contra mas faz.
Eu sou a hipocrisia!  A mentira! A falsidade.
Eu sou uma masmorra e você é meu réu.
Eu sou toda essa bosta.
E você continua me querendo, me amando.
Meu bem, minha criança jovem e tola.
Foda-se!
Eu sou um penhasco, jogue-se de mim!
Eu sou a morte. Corra!
Eu sou as aparências. Diga não!
Eu sou a paixão.  Fuja!
O amor?  Olha ele ali!
Corre, vai atrás!  Diga sim e fique, para sempre.

Eu sou o quem você não quer ser mas é!
Eu sou o avesso do avesso do avesso. Eu sou a contradição.
Seu pobre trouxa, eu sou você!
Meu bem!
Eu sou a tua consciência infame e pesada.
Eu sou a fotocopia original do teu reflexo.
Sou tudo que você poder ser.
Eu sou!
Eu sou quem você é!

Quem sou eu?

Eu sou você!

Eu não sou ninguém!


segunda-feira, 12 de maio de 2014

Sim!


                                                                    ( imagem- google)

O que são meses ou segundos na eternidade do tempo? Nada e tudo!
 O tempo pode ser longo como um dia de trabalho árduo, ou tão rápido quanto um sopro de ar sobre a sopa quente.


Marcelo postergou a volta pra casa, Ferdinando formou-se em Filosofia. E os dois foram morar juntos por três meses. Marcelo  precisou voltar à São Paulo para defender sua tese de doutorado. E lá não se conteve e contou para todo mundo que estava apaixonado. Perdidamente apaixonado por um jovem filosofo das praias do sul. Isso chateou muito Ferdinando que não lidava tão facilmente com a ideia, mas ele também tentou contar pra todo mundo, menos para sua família, que não quis ouvir.

- Ei, não chora Ferdinando! Olha pra mim!
- Fee. Olha aqui Fee, ei, guri! Olha nos meus olhos.
- Fala Marcelo, o que você quer?
- Eu quero te pedir em casamento!
- O que? Você quer o que?
Eu quero me casar com você Ferdinando. CA-SAR COM VO-CÊ!
- Você enlouqueceu cara? Homens não se casam com homens.
- Ah não? Então quer dizer que você vai se casar com uma mulher, é isso? Heim Ferdinando?
- Não, eu não vou me casar com ninguém! Eu vou morrer soz...
-... Ao meu lado bem velhinho. É isso que vai acontecer. – Completou Marcelo.
Ferdinando não conteve o riso e começou a gargalhar alto, até que o riso se transformou em choro. – você é doido Marcelo, você é louco seu otário.
- Sou mesmo! Sou um louco otário e doido por você. – e dito isso Marcelo colocou forçadamente uma aliança no quarto dedo da mão esquerda de Ferdinando.
- Casa comigo seu bobão. – repetiu Marcelo, e antes que Ferdinando pudesse responder ele o calou com os lábios em meio a uma tentativa de beijo forçado. Os dois ficaram parados face a face, colados um no outro. Marcelo com a respiração acelerada e os olhos fixos nos olhos de Ferdinando que tentava conter o beijo.
Marcelo pressionou Ferdinando contra a parede e o abraçou fazendo uma última tentativa silenciosa e desesperada.
 - Casa comigo Ferdinando? - Houve uma eternidade de silêncio e um lampejo dos dias que podiam estar por vir. Ferdinando podia sentir em seu intimo todo o peso contido naquele pedido feito, e sabia que ainda mais pesado, era a resposta. Quantas convenções ele quebraria? Quanta moralidade seria desfeita? E que novo mundo seria esse? Casar, viver e amar outro homem. Amar era irrevogável, pois ele já amava Marcelo com a mesma intensidade que amava sua própria vida. Ferdinando rodopiava no infinito mundo de suas ideias; estava voando sobre todas às consequências de ambas as resposta que poderiam ser dadas: Sim! Não! 
Trés letras, eram apenas trés letras, que quando somadas e proferidas podiam trazer conclusões tão díspares. Seria um mundo novo, uma nova perspectiva, e isso o consumia em fogo e desespero. Logo ele, que sempre se considerou avesso a qualquer pré-conceito ou às formalidades e pseudo normalidades sociais.
  Depois de correr o mundo das ideias ambíguas, depois de nadar em seu oceano particular de conceitos pré estabelecidos; o jovem filósofo concluiu que no amor somos todos iguais. Quando amamos não há maior ou menor grau de sanidade, não há distinção entre homem letrado ou ignorante, pobre ou rico. Assim como a morte, o amor também é democrático e afeta a todos com igual intensidade. 
Em um sopro de sanidade o rapaz concluiu que tudo aquilo era loucura.

- Sim! -respondeu Ferdinando. Concluindo também que a melhor coisa a se fazer em mundo de pessoas sóbrias é ser um completo ébrio, Insano e insensato apaixonado.